Resenha: As Esganadas, de Jô Soares



Obra: As Esganadas
Autora: Jô Soares
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 264
Média de preço: R$ 22,80 a R$ 38,00


Não é uma surpresa saber que Jô Soares é um excelente humorista e apresentador, mas muitas pessoas não sabem do seu lado escritor, que merece tanto prestígio quanto as outras ocupações do carioca. De 1995 até 2011, Jô publicou quatro livros do gênero policial, que foram conhecidos pela qualidade da sua escrita e genialidade do autor para trazer um gênero tão prestigiado para o nosso país. Seu último romance, As Esganadas, é o que será comentado nessa resenha.

Jô seguiu uma fórmula em seus livros desde a publicação de O Xangô de Baker Street, que é utilizar a cidade do Rio de Janeiro do século XX como cenário para os seus crimes e as soluções que os seus detetives sempre peculiares buscam para os casos. Apesar de continuar com essas duas características, Jô prefere sair da zona de conforto e subverter a narrativa policial comum, revelando já nas primeiras páginas de As Esganadas o grande vilão da história e os seus motivos que o levam a matar.

E o dito cujo aqui é Caronte, filho de portugueses. Após nascer, sua mãe engordou muito e nunca quis que o filho ganhasse o mesmo peso que ela, por isso, fazia questão de que o filho nunca comesse guloseimas, mas nunca havia visto que ele era magro como o pai. Caronte estuda na Alemanha a técnica de embalsamento para trabalhar na Funerária Estige, que pertence ao seu pai, o qual é totalmente submisso à sua enorme esposa. Um tempo após a morte do pai, Caronte aproveitando uma chance, realiza um desejo antigo e mata a sua mãe enquanto a mesma cozinhava. Mas, como o homem é louco, ele começa a ver o rosto da mãe em cada gorda que encontra no Rio de Janeiro e logo começa a mata-las.

Não é novidade que o serial killer da vez tem preferência por gordas, mas aqui, essa desvantagem do peso é tratada de um jeito um pouco peculiar por Jô. Caronte usa seu furgão como um carro de doces, para atrair as rechonchudas e usar a gula para matá-las asfixiadas com guloseimas portuguesas. As situações criadas são um pouco bizarras, mas todas tem o tom de humor que o autor apresenta. As gordas vão desde produtoras de teatro até freiras.

Nesse caso, Jô montou um time de detetives encabeçado por Mello Noronha, Tobias Esteves e Calixto. Noronha tem o tipo marrento e mandão, além de detestar ir ao teatro com sua mulher, mas é bom no que faz. Esteves é um detetive português que foi afastado da profissão e mudou-se para o Brasil para trabalhar em uma confeitaria. Após saber dos assassinatos, tem sua oferta de ajuda aceita por Noronha. Já Calixto é o mais cativante dos três. Extremamente simples, o policial tem tiradas hilárias com as diferenças de português com Esteves, mas consegue pistas de uma maneira bem fácil. O time recebe o reforço de Diana, uma repórter sedenta por descobrir o autor dos crimes.

Mais uma vez, Jô mistura ficção e realidade na obra. É possível ver os fatos verídicos com as citações a Vargas e Adolf Hitler, além da derrota do Brasil em uma Copa do Mundo. Um ponto que incomoda é minuciosa descrição de lugares e costumes da época, que só um verdadeiro habitante da cidade, que conhece sua história à fundo, consegue saber. É maçante receber tanta informação desnecessária. Em contrapartida, a parte de ficção é bem construída e interligada à realidade, tendo várias situações que poderiam ter acontecido durante aquele período.

A narrativa é feita em terceira pessoa, e seguimos capítulos onde vemos o ponto de vista de Noronha, Esteves e Caronte. A maneira como vemos a maneira do vilão agir é interessante, pois conseguimos acompanhar seus pensamentos e ações de uma maneira mais ágil, sem contar a diferença ao descobrirmos que Caronte sabe que está sendo seguido. Outro ponto positivo é Jô saber usar de sua habilidade como humorista e inserir vários momentos que nos levam a rir durante a história, principalmente no que se refere a Calixto. Os personagens aqui são bem construídos, com características bem distintas, o que ajuda a deixar a leitura ainda mais atrativa. O que mais merece destaque é um vilão com Complexo de Édipo (que faz com que o portador tenha uma fixação sexual com um dos pais) além da Síndrome de Nagali, criando um assassino que não deixa impressões digitais. Aqui, Jô deixa que o caso se conclua por intuição e muita inteligência.

Os pontos negativos que fazem a obra perder um pouco de seu brilho é o uso da mesma fórmula já citada acima. Jô tem um talento nato para a literatura policial, mas já está na hora ambientar um obra em outra cidade e, de preferência, nos dias atuais. Seria uma leitura diferente e um desafio para o autor, só resta esperar que sua carreira como escritor não tenha fim tão cedo.

No mais, As Esganadas é uma obra que vai envolver o leitor que nunca desfrutou dos livros de Jô, mas vai cansar os que já tem um conhecimento sobre as obras do autor. Não que o livro seja ruim, mas depois de quatro obras nos mesmos moldes, uma ideia para obras no presente viria a calhar, afinal, Jô já provou que tem talento, só falta tomar o risco que todo autor de romances policiais precisa em algum ponto. Torcemos para que aconteça logo.


Nota: * * * * * * * * * *

Comentários

fiquie tri a fim de ler
legal
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